Rebrota verde esconde degradação do solo após queimadas
Queimadas afetam a qualidade do solo e mascaram degradação com a rebrota do capim. Manejos adequados podem restaurar áreas devastadas, aponta Embrapa.
O aumento dos focos de queimadas no Brasil em 2024 trouxe prejuízos visíveis às paisagens agrícolas e um impacto profundo e menos perceptível: a deterioração da qualidade do solo. Após as primeiras chuvas, a rebrota do capim em pastagens queimadas cria uma falsa impressão de recuperação, enquanto o solo permanece empobrecido, carente de nutrientes essenciais e com sua estrutura biológica severamente comprometida. Para lidar com essa situação, especialistas apontam a necessidade de manejos sustentáveis e técnicas específicas de recuperação.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que este ano já supera a média histórica de queimadas registrada desde 1998, com mais de 80 mil focos em setembro. O fogo destrói matéria orgânica acumulada ao longo de anos, comprometendo o solo e reduzindo drasticamente sua capacidade de regeneração natural. Segundo a pesquisadora da Embrapa Cerrados, Giovana Maciel, uma única queimada pode anular uma década de esforços no manejo sustentável. “A matéria orgânica é a base para a fertilidade do solo. Quando ela é oxidada pelo fogo, há uma perda imensa, que pode levar décadas para ser recomposta”, explica a pesquisadora.
A falsa sensação de regeneração, destacada por Giovana como uma “ilusão de ótica”, ocorre porque as cinzas do fogo liberam potássio em quantidade suficiente para uma rebrota inicial do capim. Contudo, essa rebrota é insustentável. “Depois do primeiro pastejo, os nutrientes se esgotam, e o capim perde vigor. Sem suporte nutricional, o solo se torna ainda mais vulnerável a invasões de plantas indesejadas, o que agrava a degradação”, detalha.
Impactos do fogo sobre o solo
As queimadas não afetam apenas a fertilidade imediata do solo. Elas também comprometem sua microbiota, formada por organismos responsáveis pela decomposição de matéria orgânica e pela disponibilização de nutrientes às plantas. A redução da capacidade de retenção de água, a compactação do solo e o aumento de sua vulnerabilidade à erosão são outras consequências do fogo. “O solo queimado tem sua estrutura física e química alterada, o que dificulta a penetração das raízes e reduz a eficiência do sistema radicular. Sem raízes profundas, as plantas ficam mais suscetíveis às adversidades climáticas”, acrescenta Giovana.
Esse ciclo de degradação gera um cenário crítico: pastagens de baixa produtividade e um solo progressivamente mais pobre, com dificuldades para suportar sistemas agrícolas de médio e longo prazo.
Análise técnica e recuperação do solo
De acordo com Giovana, o primeiro passo para a recuperação de áreas queimadas é realizar uma análise detalhada do solo. Essa avaliação permite identificar as necessidades específicas de nutrientes e as intervenções necessárias para restaurar a fertilidade e a estrutura do solo. “Sem uma análise técnica, o produtor corre o risco de aplicar insumos de forma inadequada, gastando recursos sem obter os resultados esperados”, afirma.
O uso de gesso agrícola é amplamente recomendado em situações de degradação severa, como no caso de queimadas. Esse insumo corrige problemas químicos do solo, fornecendo cálcio e enxofre, e reduzindo os efeitos tóxicos do alumínio em solos ácidos. Rodrigo Campos, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Agronelli Soluções, reforça a importância do gesso: “Ele promove o aprofundamento do sistema radicular, melhora a absorção de nutrientes e aumenta a resiliência do solo diante de secas e outros eventos extremos.”
Além do gesso, o uso de fertilizantes orgânicos e bioestimulantes contribui para a reestruturação do solo. Esses produtos estimulam a atividade microbiana, corrigem a acidez e ajudam a reestabelecer os níveis de nutrientes necessários para a saúde das pastagens. “Com a aplicação regular, o solo recupera sua capacidade de suporte e a produtividade das pastagens pode ser retomada em menor tempo”, explica Campos.
Sustentabilidade e manejo contínuo
Embora a recuperação seja possível, especialistas alertam que é indispensável adotar práticas de manejo contínuo para evitar novos episódios de degradação. “A fertilidade do solo deve ser tratada como prioridade estratégica nas propriedades rurais. Sistemas de integração lavoura-pecuária, rotação de culturas e o uso de plantas de cobertura são ferramentas que ajudam a preservar o solo e aumentar sua resiliência”, afirma Giovana.
A pesquisadora destaca ainda a importância de programas educativos para conscientizar produtores sobre os riscos das queimadas e os benefícios de práticas sustentáveis. “Evitar o uso do fogo como método de manejo é essencial para preservar os recursos naturais e garantir a sustentabilidade da produção agropecuária.”
O papel da tecnologia na recuperação
Nos últimos anos, a tecnologia tem se tornado uma aliada no manejo do solo pós-queimadas. Sistemas de sensoriamento remoto e drones auxiliam no mapeamento das áreas afetadas, enquanto softwares de agricultura de precisão permitem um planejamento mais eficiente do uso de insumos. “Com a tecnologia, o produtor pode otimizar recursos e obter resultados mais consistentes, garantindo a recuperação do solo de forma mais ágil e econômica”, destaca Rodrigo.
A integração dessas tecnologias com práticas tradicionais reforça a capacidade do setor de superar desafios como os provocados pelas queimadas. Porém, os especialistas alertam: a recuperação do solo exige paciência, planejamento e a adoção de estratégias de longo prazo.
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